PHD em ciência política, o amazonense Carlos Michiles fala do quanto a educação é importante para o PDT diferente do governo Bolsonaro

 


No dia 15 de abril de abril, a Fundação Leonel Brizola-Alberto Pasqualini (FLB-AP), sob a vice-presidência do professor Ademir Ramos, inaugurou no Amazonas a sede da Universidade Aberta Leonel Brizola com a participação remota do Presidente Nacional do PDT, Carlos Lupi, do Secretário Nacional do Partido, que também é o Presidente Nacional da FLB-AP, Dr. Manoel Lima, contando com o apoio de Stones Machado, membro do Diretório Nacional do Partido e um dos fundadores da PDT no Amazonas.  O fato amplia muito mais o campo de atuação da FLB-AP no Estado do Amazonas permitindo que catalisemos nossas ações para o ensino hibrido em atenção ao nosso público alvo centrado tanto na política partidária como também na cidadania e soberania popular. Com esta determinação passamos a entrevistar os quadros políticos do PDT com objetivo de compartilhar suas análises e reflexões dando-nos clareza e objetividade em nossos posicionamentos quanto à conjuntura nacional e local primando pelos fatos e valores que regem o trabalhismo do Dr. Leonel Brizola, a pedra fundadora do PDT promotora da democratização no Brasil.

Nosso entrevistado é o amazonense de Maués, Carlos Michiles, PH.D em Ciência Política pela Universidade de Manchester, Inglaterra. Mestre em Ciência Política pela Universidade de Brasília – UNB, um dos fundadores do PDT/DF, ex-presidente do Instituto Alberto Pasqualini, ex-vice-presidente da Fundação Brizola/DF. 

O papo reto e tem por fim suscitar questões entre nossos militantes para fomentar o debate tendo como o motor de partida a educação, a ética na política, sobretudo, a grandeza do líder maior Leonel Brizola. Inicialmente, o Professor Michiles afirma que “ao longo da trajetória de Leonel Brizola existe a presença constante da urgência da educação. A melhor homenagem que se pode fazer a sua memória é fazer crescer e expandir a Fundação Leonel Brizola com seu permanente compromisso de formar consciências, espalhando escolas públicas como ato de revolução permanente com ideias e a caneta a serviço da consciência sobre a realidade brasileira”.

Recordo, continua o professor, “que a primeira vez que Brizola veio a Brasília, depois de retornar do seu exilio, confessou que seu sonho era criar um Instituto de formação política a fim de espalhar as ideias do que ele chamava do ‘fio da história.’  Por essa razão que a FLB/Am segue esse sonho realista de fortalecer e expandir essa Fundação para recuperar o país desse momentâneo desprezo pela arte da educação que vivemos hoje”.

Portanto, reafirma o nosso entrevistado, “o compromisso da Fundação então deve ser estimular a educação, o debate, a leitura, a reflexão e a interação intelectual num ambiente aberto de conhecimento que enriqueça a formação da razão humana”.

FLB-AP/AM: Quanto à Maquiavel como marco divisor da política como redefinir a ética neste contexto das relações de poder.

MICHILES: Para quem passou algum tempo dedicado a estudar, ler ou pensar sobre a política, a primeira providência é reconhecer que existe um antes e um depois de Maquiavel (1469-1527). Afastar o simplismo de que “maquiavelismo” significa justificar a violência a qualquer preço. Os tais meios justificam os fins. Não se encontra na obra clássica de Maquiavel essa suposta frase repetida pelo senso comum cuja expressão passou a ser sinônimo de maldade. Mas, o que de fato deduz-se de sua obra é o que se passou a chamar de ética de resultado. O que em política é sine qua non que coloca quem decide no fio da navalha do êxito ou fracasso. 

A ética política de Maquiavel aconteceu num momento histórico em que a sociedade através da ação concreta dos homens precisava fazer a transição da politica como ato religioso para a ação política visando fortalecer o Estado soberano.  A noção de Estado como locus, o espaço, do ordenamento dos interesses realistas dos que se organizavam para tomar as decisões. Decisões que tinham consequências sobre a população. Uma ação política realista, baseado nas relações numa sociedade secular e não mais baseada na moral religiosa.  

FLB-AP/AM: Então a política ganha autonomia...

MICHILES: Em Maquiavel bem diferente do que o senso comum pensa, não se trata de que a política é feita com a maldade inerente aos agentes da política. Nada disso. Em Maquiavel a política ganha sua autonomia. Ganha especificidade. Não tem nada de utopia ou sonhos idealizadores de cunho moral que deveriam prevalecer na política.   

FLB-AP/AM: Explique melhor...

MICHILES: Porque a política trata dos interesses concretos. Trata do jogo realista de defesa de interesses. Por isso, diz que o “bom” político, o “hábil” político é aquele que percebe esse jogo dos interesses em conflito e sabe atuar para vencer a fim de chegar a resultados eficazes.  

FLB-AP/AM: Mas em se tratando da Democracia...

MICHILES: Numa democracia moderna, como a que estamos vivendo, é preciso ter essa habilidade para que o resultado da ação política seja em benefício dos interesses que conseguem acomodar, conciliar, mudar a relação de forças no poder e vencer a disputa política. De preferência pela via democrática. Em outras circunstancias, como a longa história da humanidade testemunha, pela via do conflito e da violência.    

FLB-AP/AM: Neste contesto professor como analisar na perspectiva ética, a mentira e a verdade. 

MICHILES: O que mais as elites que dominam a política fazem é esconder a verdade dos conflitos que existem no seio do Estado e apresentam mentiras como disfarces para iludir a maioria dos membros da sociedade. A mais sutil mentira é supor que o Estado é neutro. O Estado por sua natureza é contraditório. O Estado constitui um complexo de interesses que se conciliam internamente para preservar os interesses dos grupos que compõem o Executivo, o Legislativo e o Judiciário.  

FLB-AP/AM: Estado e Governo são diferente...

MICHILES: Estado e governo são conceitos distintos. O que das contradições políticas é um jogo de pesos e contrapesos. Assistimos isso diariamente no que verificamos como o “presidencialismo de coalisão” com o Legislativo ou a “judicialização” da política. Nesse sentido que Maquiavel é atual. Não como um teórico que defende a mentira, mas como um pensador que desmascarou as mentiras do Estado e divulgou para as massas. Captou o exato funcionamento da política e distribuiu as informações para que as pessoas tomem conhecimento daquilo que a realidade contradiz as elegantes aparências da formalidade institucional. 

FLB-AP/AM: E quanto ao PDT como tudo isso ocorre...

MICHILES: Daí vem a obsessão de alguns líderes nacionais como Leonel Brizola e o educador pedagógico Darcy Ribeiro pela democratização da educação para todos. Convém lembrar a célebre frase de Brizola de que a educação não é despesa no orçamento e sim investimento. A mentira e a verdade podem mudar, portanto, conforme os interesses que estão dominando o poder no período histórico que se refere. Afinal a quem interessa o analfabetismo? A precariedade das escolas? A desigualdade social?    

FLB-AP/AM: Professor e a Democracia resiste a tudo isso...

MICHILES: A democracia representativa em seus moldes tradicionais, como um gesto de comparecimento formal para o exercício isolado do voto, parece, nos dias atuais, insuficiente. Alguns autores, inclusive alguns clássicos como Rousseau e Kant, e atualmente, Habermas (1929 -) e Giddens (1938-) falam em democracia substantiva. Que seja capaz de aliar a participação ativa dos cidadãos com a sua contínua fiscalização por via da proativa ação pública do debate, uso democrático dos meios de comunicação e da sociedade civil, em geral. A democracia como um valor universal capaz de aprofundar e  radicalizar na preservação de sua forma de governo.  

FLB-AP/AM: E como dar sustentabilidade a Democracia sem educação como prioridade...

MICHILES: Vale dizer que o conceito de sociedade civil foi amplamente desenvolvido pelo filósofo Hegel, ampliado e divulgado por Norberto Bobbio que aliás, em seu livro O futuro da democracia, 1986, escreveu sobre o cidadão não-educado, a cidadania não-educada. Daí o valor inarredável do direito a educação. Menciono esses autores, considerando que se torna indispensável a releitura desses clássicos para entender o que significa a mentira e a verdade no contexto da política.  

A falta da educação universal acarreta na ignorância da informação. A educação proporciona formação de uma visão de mundo. A deseducação na informação superficial. O que acontece hoje com grande utilização da tecnologia da internet que passaram a ser chamadas de “fake news”. Uma expressão nova para velhas mentiras que hoje mais deseduca do que educa. Imbeciliza mais do que elucida. 

FLB-AP/AM: Na conjuntura brasileira, na balança política de Bolsonaro a convicção negacionista pesa muito mais do que a responsabilidade.   

MICHILES: Numa perspectiva histórica, o período do governo Bolsonaro deverá ser considerado como uma interrupção. Um acidente. Uma situação de anomia da filosofia da história. Uma consequência de causas que merecem ser reconhecidas para uma apropriada compreensão do que está acontecendo com o Brasil. Esse período de governo é uma negação da afirmação e aperfeiçoamento dos valores democráticos numa sociedade que pretende conviver em liberdade e mais igualdade. Entretanto, o que assistimos é forma decadente e estupida da manifestação política em lugar de um processo de emancipação, entendido como uma expressão da liberdade.  

FLB-AP/AM: Além da pandemia da Covid o Brasil padece mais de que...

MICHILES: O Brasil padece de uma tragédia que envolve um complexo explosivo de pandemia, crise política, social e econômica que só deteriora a situação dos mais desiguais da população brasileira. A indiferença do governo atual com essa realidade é o que se pode chamar da convicção fanática de um Presidente que nega o conhecimento científico e exalta as crendices irracionais.   

Por isso costumo dizer que é demasiado dispendioso recorrer ao pensamento de Max Weber (1864-1920) que formulou suas categorias científicas de análise em torno da ética da convicção e da ética da responsabilidade.  

FLB-AP/AM: Mas a responsabilidade parece não ser da prática dos bolsonaristas...

MICHILES: Interessante observar que Weber tem muita coisa em comum com Maquiavel. Basta ver sua análise sobre a importância do cálculo racional no momento de uma tomada de decisão.  O político responsável avalia os melhores meios de se alcançar um objetivo e sua eficiência como critério de sua ação social. Mas o que diferencia a ética da convicção da responsabilidade é que um governante quando age pela exclusiva convicção, ganha um sentido religioso pela crença cega e irracional. Entretanto, se Weber recorreu ao Sermão da Montanha para ilustrar a ética da convicção, ele defendia ética da responsabilidade que considerava mais adequada e crítica a tomada de decisões no mundo político.  O sentido da responsabilidade se coloca para uma liderança que se orienta pelas consequências de seus atos. Avalia a relação entre os meios que recorre e os fins. Por isso, Weber chama de ética da responsabilidade.  

FLB-AP/AM: E o governo Bolsonaro...

MICHILES: O que assistimos hoje no Brasil, é um governo que age pelo impulso da irracionalidade. Não considera a humanidade de seus atos e coloca como alguém indiferente da condição social da população em nome exclusiva de suas convicções forjadas pela sua prática empírica de homem do senso comum. Uma visão de alguém que galgou a vida baseada nos seus interesses personalíssimos, privados e familiares. Um caso explícito atual de patrimonialismo que é outro conceito recorrente na teoria weberiana.  A negação do que podemos chamar de ética e menos ainda de responsabilidade.  

Negar a tragédia da pandemia. Ignorar e debochar as quatrocentas mil mortes, se aproximando de mais de quinhentas mil mortes no Brasil, é a expressão do que pode acontecer com a liderança e o poder de um país, caso não se tenha a consciência da ética do voto responsável.

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